“Vem surgindo um novo tempo”…

Lu Mastrorosa
4 min readDec 12, 2022

Ai, que fazia tempo que eu não escrevia aqui. É que o ano de 2022 passou assim, apressado. Começou de um jeito novo, só eu e a minha pequenina, com o gato a fazer companhia, na varandinha do nosso apartamento, então recém-comprado. Tudo novinho, meio bagunçado, mas com paredes verdes, azuis, lilases. Tão bonito!

A gente limpou a casa todinha, eu cozinhei pra nós duas como se fosse para uma família gigante, e a gente fez a ceia e, na hora da virada, cantamos músicas pra receber o novo ano com amor, com esperança, com alegria, com fé.

Ainda havia, em janeiro deste ano, resquícios de tempos menos abonados, em que a fortuna parecia ter nos deixado. Mas, para quem crê que a vida vai muito além do que nossos olhos podem enxergar, havia o pote de ouro no final do arco-íris. É claro que não foi fácil, nunca é fácil, talvez às vezes fique menos difícil, mas, enquanto respiramos, a vida que entra pelos pulmões nos nutre de mais desejo, ganas, vontades de fazer diferente.

De modos que 2022 foi, sim, um ano especial. Está sendo ainda, porque, a exemplo da Copa (e da perda do Hexa), só acaba quando termina. E ainda não terminou. Mas já dá para dizer que, até aqui, tem sido um ano especial, com muitas mudanças, mudanças bonitas, afetivas e gentis.

Para todo ponto, porém e como se sabe, existe um contraponto. E, mesmo eu, na minha ilusão tão humana de controle, não consigo enxergar de onde vem o golpe, às vezes. Entretanto, na minha quarta década de vida, e contando, aprendi que o golpe até vem, mas que o levantar, quantas vezes forem necessárias, é o que há de mais valioso. Eu sou assim. E acho isso bonito, por isso me empenho em seguir dessa forma.

Coisas, pessoas, afetos, amores, amizades, trabalhos, hábitos, comidas, bebidas, crises, alegrias, tristezas, váaaarios itens desses ficaram pelo caminho em 2022, na “curva da estrada”, como canta a música que meu amor balbucia, mansamente, para colocar as crianças para dormir. “Depois da curva da estrada, tem um pé de araçá”…

Tem um pé de araçá em Santo André, na casa em que ele morava quando a gente se “conheceu” virtualmente, 4 anos atrás, e ficamos amigos.

Naquela curva da estrada, minha vida era outra, todinha. A vida dele era outra, inteirinha. E a gente se conectou mesmo assim, sempre na base do respeito, da escuta e da delicadeza, como gostamos. Oh, sim, alguém dirá “ah, mas você não é assim”. E outros dirão “ah, mas ele não é assim”. E eu te digo, com amor e paciência: sim, nós somos assim. Nós somos feitos desse tecido, delicadeza, união, lealdade, fidelidade, amor. “A cut from the same cloth”, como eu disse pra ele um dia, e ele gostou e repetiu, e tomamos para nós esse ditado lá dos anglo-saxões. Ou seria nosso, também? “Farinha do mesmo saco”. É isso aí.

E ainda teve novembro. O que dizer de novembro de 2022? Se maio trouxe a mais bela flor para a minha vida, o amor justo que eu esperava há tanto tempo, novembro, logo o meu mês, trouxe caos e discórdia. Um pouco entre nós, sim, mas muito motivado por agendas secretas de outros e outras personagens, outras vidas, outras histórias.

E muito, também, porque a vida é surpreendente, para o bem e para o mal. E em novembro eu conheci, em apenas uma semana, o amor inteiro e a saudade eterna. Uma. Semana. Apenas.

Cicatrizes na barriga que carregarei para sempre, um rasgão no coração que só o amor dele, e dos nossos filhos, para fazer curar, como um fiozinho de ouro, unindo as partes que se abriram em duas, em três, em mil, em apenas 5 longos, longuíssimos dias.

Desse mês que amo tanto, e que me foi tão ingrato e tão desafiador neste 2022, eu carrego na memória e no coração algumas fotos, um apetite descomunal, três cicatrizes no abdome, a memória dos panos amarrados na cintura, como uma ancestral que eu nem sei se tive, e uma saudade sem fim.

Assim chegamos a dezembro, com as chuvas todas, o frio fora de época, coisas para colocar no lugar, pessoas vociferando palavras, contando histórias que machucam, as tais agendas secretas que a gente, nunca, vai saber exatamente do que se tratam.

Mas foi num dia em que São Miguel estava particularmente forte para mim, naquele sábado em que fui internada às pressas, que eu pedi ao meu amor para me trazer o que importava naquele momento, coisas minhas que me ajudavam a ter fé, a saber que eu sairia daquela bem e que eu conseguiria, sim, encarar o que viesse em seguida. E consegui. Consigo, posto que estou aqui, agora, escrevendo estas palavras para você. E, por isso tudo, sinto uma gratidão imensa, que não cabe em mim.

Dezembro tá chegando ao fim e hoje só choveu lá fora, cinza de tudo. Olhei em torno, escrevi, comi pizza, conversei com meu amor, as crianças se foram para suas outras casas, ficamos nós dois e o gato, dormindo na minha outra mesa de trabalho, do lado da árvore de Natal.

Só porque é dezembro, abrimos um vinho no fim do dia. Só porque é dezembro, e sobrevivemos, a gente vai fazer uma oração na sala, pedindo paz e proteção. Só porque é dezembro, a gente vai sonhar com o verão que chega, perdoar a quem precisa, relevar nossas pequenezas e lamúrias, e abrir o espumante no Réveillon para dizer a 2023 que venha, sim, e que venha com gosto, coberto de lantejoulas, brilhante de ouro, com os pés calçados de fitas coloridas, lindo, lindo, perfumado, com um buquê de flores e ervas nas mãos, e o coração pulsante de vida. Oxalá permita. Para nós, para vocês, para o mundo.

“Parce que c’était lui, parce que c’étai moi.”

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