Cesta natalina

Lu Mastrorosa
3 min readDec 10, 2020

Eu fui uma criança crescida entre os anos 1980 e o início dos anos 1990. Modos que eu vivi antes das fronteiras brasileiras abrirem para os importados, que ocorreu no início de 90. Vai daí que a gente, família classe-média-baixa (pra não dizer pobre, mesmo) não tinha acesso a certas coisas, como azeite extravirgem, vinhos de qualidade, etc. Nem sabia o que era isso, pra dizer a verdade. E tava tudo bem.

Então, naquela época, quando meu irmão começou a trabalhar numa “firma”, foi pouco antes do Natal, ele recebeu uma cesta ma-ra-vi-lho-sa. Era a primeira que eu tinha visto na vida. Pros meus olhos infantis, e já gourmetzinhos, aquilo era meu sonho concretizado.

Materializado em azeitonas em conserva, cerejas ao maraschino, uvas passas, ameixas secas, geleia, damasco, panetone (lógico), um espumante “Peterlongo Chuva de Prata” (suprassumo na época), caixa de bombons e que tais. Era meu sonho, ali, numa caixa de papelão com árvores de Natal estampadas. Eu amei. Usamos aquela caixa de papelão para acondicionar muitas coisas depois disso, até que ela se dissolveu com o tempo. Lembrança boa.

E levei isso para a vida. É claro que, mais tarde, com a experiência adquirida, provei muito mais que geleias e azeitonas, mas, ainda assim, meu coração bate mais forte com QUALQUER cesta de Natal. É algo arraigado, algo que ocupa um espaço bem ocupado no coração, com bandeirinha e tudo.

Eu gosto desta época de Natal. Traz lembranças agridoces, mas eu gosto. Lembro da expectativa de achar onde tinham escondido meu presente (sim, eu não acreditava mais em Papai Noel desde muito cedo), de achar o brinquedo antes do tempo e de querer um presente extra no dia 24. Hahahaha (desculpa, pai).

Lembro da alegria do meu pai de abrir uma garrafinha bem fuleira de vinho doce, moscatel, que vinha envolto numa embalagem de plástico que parecia uma redinha (e eu, sei lá, com 10 anos, provava — não reproduzam isso com suas crianças, os tempos mudaram).

Lembro dos crôstolis que minha mãe fazia (faz até hoje, para nossa sorte, tradição natalina) e de cozinhar castanhas portuguesas e de quebrar as nozes, com casca e tudo, com um martelinho. A gente não sabia o que era um quebra-nozes. Mais tarde, tive um, mas ficou lá na gaveta, ignorado. Bom mesmo é quebrar as nozes inteiras com o martelo de bife, ou, se você for mais selvagem, como aprendi mais tarde, colocar as nozes na beira da porta e, clac, fechá-la de uma vez, pra não ter dúvida de que a casca abriu. Cuidado com o dedo. Prefiro o martelo.

Este ano vai ser um Natal diferente pra todo mundo, eu acho. Não vai ter festa e, se tiver, vai ser coisa pouca, pequenina. Mas ainda dá para sonhar com a casa enfeitada, as luzinhas, a guirlanda na porta e, se você tiver a sorte de ter uma criança pequena em casa, também sonhar com a chegada do Papai Noel.

Minha árvore deste ano foi decorada com uns poucos enfeites que restaram de uma fúria repentina, em que joguei tudo, absolutamente tudo, fora. Para completar, pendurei uns bombons, ideia da minha mãe. A pequena achou incrível. O gato quase derrubou tudo. Entre mortos e feridos, sobrevivemos todos (ainda).

E, justamente neste ano tão difícil, acho que não vai ter a cesta tão esperada de carnes da “firma”. Afinal, foi um ano ruim para todos, não é? E o preço de peru, pernil, tender e afins está pela hora da morte. Mas, como estava conversando com uma amiga hoje, vai ter ceia, sim, nem que seja com ovo. E ovo é ótimo, todo mundo curte. Vamos de ovo.

Eu ainda pretendo comprar um peru, porque amo e só como essa ave, mesmo, no Natal. Para fazer bem assadinho, recheado com farofa, todo perfurado no peito e nas coxas para receber o meu tempero (dane-se se já vem temperado: eu lavo bem até sair tudo), servido com mais farofa, frutas secas, castanhas, salada de maionese (um clássico adorado por nós), os crôstolis da dona Dalva e o indefectível panetone.

Vou guardar uns trocados para comprar nozes inteiras, com casca. Afinal, minha filhota já tem seis anos: chegou a hora de ensinar a arte de quebrar as cascas de modo a deixá-las quase que intactas, revelando apenas o seu conteúdo que parece um minicérebro. E, com as cascas partidas em metades, a gente pode fazer um jogo de esconder pequenas coisas.

E vai ter Papai Noel, sim. Eu não acreditava, lembra? Mas, agora, acredito. Papai Noel, vê se você tem a felicidade — e a vacina da covid — pra você me (nos) dar.

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